Os impactos positivos do reaproveitamento de resíduos sólidos e da destinação correta dos orgânicos são inquestionáveis. Além de aumentar a vida útil de aterros sanitários, preservar os recursos naturais e reduzir a poluição, as cooperativas e associações de catadores são reais oportunidades de trabalho, renda e inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade. O que poucos sabem é que muitos destes agentes de reciclagem recebem menos de um salário mínimo mensal e acabam tirando do próprio bolso os recursos para transportes, gastos com água, luz, entre outros.
A isenção do setor de reciclagem do pagamento do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi tema de reunião promovida pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. O Sistema OCB foi convidado a expor e defendeu a categoria. A audiência pública, realizada nessa quarta-feira (21), foi requerida pelo relator do Projeto de Lei 1.800/21, deputado Thiago de Joaldo (SE), membro da Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop). A proposta em debate devolve, entre outras medidas, os incentivos fiscais aos catadores.
O projeto foi apresentado pelo deputado Domingos Sávio (MG), coordenador do Ramo Crédito na Frencoop. O deputado Evair Vieira de Melo (ES), secretário-geral da Frencoop, aprimorou o texto em seu relatório substitutivo na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). A chamada Lei do Bem (11.196/05) garantiu, em dois dispositivos (Artigo 47 e 48), os incentivos aos catadores de materiais recicláveis, mas entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionalidade dos artigos. Nesta sexta-feira (23), a corte começa a analisar os recursos (embargos) apresentados e as deliberações devem avançar até a próxima semana.
Desde então, o Sistema OCB vem atuando para reverter a decisão e garantir a isenção de pagamento dos tributos. Na audiência, o analista técnico do Sistema OCB, Alex Macedo, apresentou números do cooperativismo de reciclagem e dados sobre o impacto financeiro causado pela suspensão dos dispositivos “Com a decisão, as cooperativas passaram a pagar dois tributos. Em estudo elaborado pela OCB, verificamos que antes da suspensão os catadores pagavam uma média de R$ 48 e, agora, o valor é superior a R$ 200. Esse aumento aconteceu em cerca de 12 meses e impacta diretamente a renda dos catadores que já recebem, por vezes, uma remuneração mensal abaixo do salário mínimo”, defendeu o analista.
Segundo ele, quanto mais a cooperativa se organiza para acessar a indústria, maior é o volume de pedidos, o que melhora a logística do processo de reciclagem e reduz a dependência de atravessadores ou intermediários. "O custo das despesas de Pis/Cofins são absorvidos pelos catadores. Precisamos criar opções para corrigir isso. Um caminho é a aprovação do projeto em discussão, garantindo assim, que as organizações de catadores não sejam mais oneradas com esses tributos”, complementou.
O analista também divulgou o lançamento de cartilha desenvolvida pelo Sistema OCB para apoiar as cooperativas de reciclagem no cálculo dos tributos com o preenchimento intuitivo de planilhas. A ferramenta permite que elas se programem e coloquem em seus orçamentos as despesas. Atualmente, a entidade congrega 97 cooperativas que reúnem mais de 4 mil catadores do segmento. Elas atuam, principalmente, nos recicláveis secos recuperados de papel e papelão, plásticos, metais e vidros.
Consenso
Em nome da categoria, o representante da Comissão Nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Ronei da Silva, apresentou considerações para ilustrar a realidade dos profissionais da reciclagem. Ele cobrou melhor tratamento na contratação dos catadores em órgãos do poder público. “Toda empresa que presta serviço recebe por isso. A contratação sempre leva em consideração os custos e tudo mais. Para nós, no entanto, sempre há dificuldades e nunca recebemos grandes contratos como acontece na limpeza pública Brasil a fora. Esta decisão do STF tem trazido grandes problemas porque estamos arcando com os custos. É importante esclarecer que sem reciclagem não tem tratamento de resíduos”, criticou.
O representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), diretor Eduardo Rocha, foi incisivo ao declarar que o setor de reciclagem está estagnado. “Reciclamos apenas 3% das 60 milhões de toneladas de resíduos. Estamos há mais de dez anos nesse patamar. Esta questão tributária é crucial para incentivar e, mais que isso, não atrapalhar o trabalho dos catadores e todo o elo da cadeia de reciclagem desses materiais. O atual regime incentiva o aterramento, por isso temos 70% dos resíduos do país indo para aterro e mais de 20% para lixões. Esse projeto é meritório e bem recebido não apenas pelo Meio Ambiente, mas também pelo Ministério da Fazenda”, destacou o diretor.
Ele disse ainda que a política de reciclagem do MMA atua em todas as frentes e com incentivos para a indústria da compostagem. Rocha divulgou também que a pasta lançará edital com a reserva de R$ 290 milhões para os projetos inscritos no Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle). “Temos um conjunto de instrumentos para ajudar, mas a questão tributária precisa mudar”, concluiu.
O consultor jurídico do Instituto Nacional das Empresas de Preparação de Sucata Não Ferrosa e de Ferro e Aço (Inesfa), Rodrigo Petry Terra, também considera equivocada a decisão da suprema corte ao retirar os incentivos. “Tributar a matéria prima reciclável como faz com a matéria prima virgem não faz sentido algum. Nenhum país faz isso. A União Europeia, por exemplo, isenta de todos os impostos e cobra apenas o processo de industrialização. O entendimento é que o material reciclado já foi tributado. Um exemplo é a geladeira, que ao final da sua vida útil pode ir para um aterro ou ser reciclada para reintrodução desse material no processo produtivo. Os resíduos reciclados precisam ser valorizados e o tratamento tributário deve ser diferenciado”, pontuou Terra.
Também participaram da audiência os deputados Vinícius Carvalho (SP), membro da Frencoop e autor do projeto de lei apensado 4.035/21; e o deputado Luiz Carlos Hauly (PR).